terça-feira, 29 de janeiro de 2008

UM DEDO DE PROSA DENTRO DA POESIA

VESPERAL IRRACIONAL


Meus pés desnudos costuram a rua
Num frevo disforme e desproporcional
Refazendo as reações momescas
Que os meus ancestrais pintaram no tempo
E sepultaram no sangue do povo.

Nasceu, antes de tudo, o carnaval
Uma chama que metamorfoseia
A hipocrisia e o puritanismo psicotrópicos
Levando o povo a descontruir o positivismo
Que azeda a nossa vida como sociedade

Os valores são invertidos, transvertidos e destruídos
A alegria e a liberdade abraçam-se bêbadas na avenida
Celebrando a nossa facilidade de ser feliz.

Na quarta-feira voltamos à mentira e o puritanismo
Recolhemos-nos às gaiolas
Voltamos a vegetar e interpretar tão mal
A nossa essência humanamente fajunta.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Divina Comédia Urbana

Desce do céu um anjo metálico, cujo ventre está cheio de gente
Ao longe ouço o seu ruge, como se invocasse a cidade para contemplá-lo
Às vezes, penso que estou num quadro de Salvador Dali
Sei lá, um Picasso grafiteiro de boné e cavanhaque.

O estrondo de cores que borram minha visão
Mostra-me uma cidade em profusão
Do Foie Gras à cumbuca de feijão
E eu boiando nessa mistura
Comendo e vomitando essa cultura
Buscando refúgios no porão.

Ressoa um canto, quase santo, de um bêbado
Que desperta os transeuntes sonolentos
Quantas vozes têm a cidade?
Quantos cantos são cantados?
Quantos os outros são silenciados?
Sinto-me numa concha acústica,
Cuja sinfonia tem um maestro underground.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

UM ABOIO CARNAVALESCO

O escarcéu momesco avizinha-se, regido pela influência lunar e anuência da Igreja. A festa da carne domina todo o território como se o povo fosse tomado por uma epidemia virótica. O carnaval, com toda a sua profanidade, provoca nas pessoas a liberdade de transfigurar o ser. As performances, as fantasias, as músicas e os ornamentos compõem o cenário para a maior manifestação cultural do país. Na minha mísera visão, eu amo o carnaval! Tenho uma ligação quase umbilical com a festa. Então, nesse carnaval envolva-se nessa grande alegria com liberdade e respeito ao próximo. Afinal, o grande sinônimo do carnaval é a confraternização.

UM ABOIO CARNAVALESCO

Hoje a saudade saiu
De chinela japonesa
Saltitando pelas ruas

Hoje a saudade saiu
Coberta de confetes
Cantando aquelas modinhas

Ah! Como eu queria ver Seu Chico
E o estandarte trêmulo sob o sol

Ah! Como eu queria ver Dona Anunciata
A grande Vedete do meu carnaval

Ah! Que saudade de ver uma cidade
Carnavalizando o que há de mais sagrado:
O sorriso, o suor e a orgia!

UM ABOIO CARNAVALESCO

Meu samba é de dor, é pútrido
Tem cheiro de pus gosmento
O rataplã do tamborim amaldiçoado
E a mulata cadavérica dançando
Na passarela sangrenta do mundo

Deixem meu samba passar
Como uma rajada de canhão
Deixem meu samba passar
Como um chute nos culhões.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Um dedo de prosa dentro da poesia

Aquele beijo com sabor de um trident
Me fez pensar de uma maneira inconseqüente
De ter filho, de ter filho, de ter filho

Aquele abraço que tem forma de casaco
Me fez pensar que está solteiro é um saco
Eu quero teu brilho, eu quero teu brilho, eu quero teu brilho

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O Baú do Aboiador

CIRANDA DE DESPEDIDA

Ó minha gente, eu venho lá de longe
Aonde o sol é o monge
Desse templo que é o sertão
Na minha mão
Trago um ganzá
E quem quiser dançar
É só juntar a mão co’a mão. (Bis)

Venha pra roda
Vem cirandar
Entra na roda
Meu amor, entra na roda
Quero ver você na roda
Quero ver você dançar. (Bis)

Ó minha gente, eu já vou me embora
Que é chegado a hora
De partir “proutro” lugar
E no coração
Levou a saudade
Porque na verdade
Um dia eu sei que vou voltar.(Bis)

O Baú do Aboiador

SANTÍSSIMA ANA

Ó Santíssima Ana
Cubra-nos com o teu manto
Interceda por essa gente
Abrandando o nosso pranto
Vinde a nós pecadores
No louvor da oração
Aliviar nossas dores
Com tua proteção

Ó Ana Bendita seja
Bendita sempre será (Bis).

Eu sou o teu devoto
No meio da procissão
Com os pés descalços
Levo a fé no coração
Vinde a mim nessa hora
Faz-me esse favor
Ó mãe da Nossa Senhora
Derrama em mim teu amor.

Ó Ana Bendita seja
Bendita sempre será (Bis).

DIÁLOGOS CORDELESCOS

CANTADOR DE VIOLA 1:
É no canto, é na força, é na graça, é na gana
É no braço, é no pé, é no corpo, é na alma que emana
É no chão, é no ventre, é na terra, é na cabana
É na cabana, é na terra, é no ventre, e no chão
É xaxado, é xote, é forrobodó, é baião
É baião, é forrobodó, é xote, é xaxado
É Quadrão, é Quadrinha, é Quadrilha, é Quadrado,
É Quadrado, é Quadrilha, é Quadrinha, é Quadrão.

CORO:
É Quadrão, é Quadrinha, é Quadrilha, é Quadrado,
É Quadrado, é Quadrilha, é Quadrinha, é Quadrão.

CANTADOR DE VIOLA 2:
É na lira, é no verso, é na nota, é no canto
É no altar, é na igreja, é no padre, é no santo
É na canção, é na boca, é no riso, é no pranto
É no pranto, é no riso, é na boca, é na canção
É sagrado, é bendito, é puro, é louvação
É louvação, é puro, é bendito, é sagrado
É Quadrão, é Quadrinha, é Quadrilha, é Quadrado,
É Quadrado, é Quadrilha, é Quadrinha, é Quadrão.

CORO:
É Quadrão, é Quadrinha, é Quadrilha, é Quadrado,
É Quadrado, é Quadrilha, é Quadrinha, é Quadrão.

O Baú do Aboiador

Senhores, boa noite
Chegamos com alegria
Agora pra saudar
A nossa Santa Maria
Nascida nesse dia
Com as bençãos do Senhor
A mãe do Redentor
Que veio nos salvar
Salve Sant'ana e Joaquim
Que foram unidos pelo amor
Que graças caiam em mim
Com esplendor.

DIVINA COMÉDIA URBANA

Universo talhada em um pequeno biscuit
Meu beijo com sabor de quiwi sem outra boca
Ó boneca de louça que samba no frenesi
Das racionalidades de uma cidade louca
Eu sei que meu corpo não é daqui

Toda visão é falsa e a dúvida é uma balsa
Que nos leva a decantar ainda mais nossa alma
Mas a cidade que de suas mãos nada escapa
Devora-me nas horas mortas em que busco a calma
E escondo-me por trás de uma capa.

A cidade me enraba
A cidade me enraba
A cidade me enraba...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

DIVINA COMÉDIA URBANA

Constelações de faróis ofuscam-me os contornos citadinos
Os roucos dos motores sonorizam a filmagem da vida em movimento
E eu de peito aberto entrego-me ao ritual consumista de um supermercado
Ostentando créditos ilusórios contidos num pedaço de plástico
Penso eu que tais créditos são mais reais que minha própria essência humana
Encarno-me na alma hipócrita dos que se dizem urbanos

Corre por entre as minhas artérias a água podre da sarjeta
A baba grossa que desce da boca de um mendigo
E o suor lastimoso dos estivadores a carregar seus fados

Perante isso, lacero minhas roupas na via pública
Exibo minha genitália as donzelas e beatas tão pudicas
Gritando para todos os lados: Enfim eu também sou a cidade!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Um dedo de prosa dentro da poesia

O MEU SOM!


O meu som é cáustico e a acústico
Tão epispástico quanto crustáceo
Não é pra qualquer um
É semente de tucum
Não é pra um qualquer.

O meu som é traste e é embuste
É a luz vem do lustre e da lamparina
O meu som é sacerdote
Que reza e assassina!
Um celibatário que come uma vagina

O meu som é pau, é pedra e é nada
É polca, é bossa, é bosta
Boiando numa privada!

O meu som é uma picada
É o fim da picada
O começo da mordida
Uma trepada escondida
Num simples conto de fada!

DIVINA COMÉDIA URBANA

Que as gárgulas angelicais pairem
Sobre o céu plúmbeo e obeso
Cantando-me hosanas etílicas
E mostrando-me o quanto sou obsoleto.

Mas até nos arranha-céus batem um coração
Nos asfaltos além de carros, corre sangue
E até os postes sentem a crueldade da solidão

Chamam-me citadino, um verbo ferido e ferino
Ajaezado pela ilusão sólida do concreto e do cimento
Inflexível como as armações metálicas
Irredutível e imóvel como as estátuas pomposas
Banhadas pelas fezes dos pombos.
Serei eu, um humano extremamente humano
Capaz de abstrair da flor o seu lado mais pobre
E das fezes o seu lado mais perfumado?

Na verdade sou citadino, um verbo ferido e ferino!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

DIÁLOGOS CORDELESCOS

Diabo:
Sou mais forte que a maré
E tão imenso quanto o mar
Quando começo a cantar
Todo o povo bota fé
Você canta em cabaré
Pra bandido pé no chão
Sua morada é no lixão
Onde vive atormentado
Isso é que mourão voltado
Isso é que voltar mourão.

UM ABOIO

A vela da vida verte-se em espermacetes, por causa da força incandescente do tempo que nos abocanha sem distinção. Somos reféns de uma mortalidade que nos castra a possibilidade das coisas ao longo prazo. Há uma migalha de tempo para que a gente possa traçar um itinerário, possibilitando-nos realizar ações que crismaram nossa passagem terráquea sejam elas boas ou ruins. O fragmento de vida que nos é dado é subtraído em algumas mãos e multiplicado em outras; seja um dom divino ou não, a vida é antes de tudo uma chance ao espírito para poetizar sua história dentro da carne.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Um dedo de prosa dentro da poesia

Quero com você arranhar o meu inglês
Sob o púlpito de um livro em português
Sob sílabas, vogais e consoantes
Quero entoar o meu amor lingüístico ao meu amor polissilábico.