quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

BAÚ DO ABOIADOR - PARTE III

SÁBADO DE ALELUIA – O CONTRA-EVANGELHO DE JUDAS

A partir dali não soltei sequer mais uma sílaba, seguindo com os olhos tudo aquilo que o Mestre iria dizer. “É inconcebível para você, ou melhor, para qualquer um. Contudo, a melhor forma de vencer o teu inimigo é dando-lhe a falsa impressão da vitória, entendes?” confirmei com a cabeça, não pude deixar de notar os seus olhos encharcados e vermelhos. “Agora veja, como posso dizer isso a você” naquele instante os seus olhos apontaram para o alto como se buscassem as palavras no ar, depois retornaram a mim ainda mais angustiantes: “Judas, tu me amas?” simultaneamente a cabeça e a boca prosternaram juntas: “Sim”. “Judas, tu me amas?” e disse-lhe de novo: “Sim, Mestre”. “Judas, tu me amas?” desta vez desceram duas lágrimas que riscaram suas maçãs. “Sim, Mestre” lentamente sua boca aproximou-se do meu ouvido e sussurrou: “Atraiçoa-me” marcando-me com um beijo na face direita, quando se afastou continuava choroso. “Isso não é contraditório, como que ama pode trair?”. “Em verdade te digo como não atender ao pedido de quem se ama? Se o pedido, de quem amamos, é tão sublime quanto o Reino de Deus. Se me amas, como disseste, fará o que te peço selando com o mesmo beijo que acabei de te dar”. “Como se abraça um amigo, apunhalando-lhe, não é estranho e sem sentido?”. Foi aí que vi um sorriso franco em seu rosto. “Judas, sem sentido é o mundo como se encontra hoje. Só o amor salva, um amor que foge de todas as lógicas humanas, um amor que não se explica, até porque explicação é uma invenção humana feita para justificar a preguiça de se aprofundar nas verdadeiras essências das coisas”. “É incrível como tudo que sai de tua boca se decanta, até isso que me pedes, tu dizes com uma docilidade que penso ser a coisa mais santa do mundo. Sinto-me como se fosse fazer o ato mais digno da minha vida”. “Quero que você se sinta assim, afinal a minha morte nos tornará triunfantes, lembre-se do profeta Isaias” foi quando as profecias de Isaias se aglutinaram em mim completando o quebra-cabeça de nossa salvação, estava diante do cordeiro. “Quem condenará teu ato aqui na terra? Se a ninguém daqui dei o direito de julgar? Só o meu sangue lavará os nossos males e dará o primeiro passo no declínio dos poderosos”. “Mas diga-me, porque eu? Porque não Pedro, João, André ou qualquer outro discípulo?”.

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