sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

BAÚ DO ABOIADOR

(Poesia sem revisão)

"SAUDADE DE MINHA AMADA"


Todo tempo neste instante
É uma grande eternidade
Pra matar essa vontade
No meu coração pulsante
De um amor que tá distante
Bem longe dessa morada
E nesta noite enluarada
Do lado de minha égua
Eu quero gritar sem trégua:
Saudade de minha amada.

Essa falta é como um corte
Que dói até no meu lembrar
Não posso mais suportar
Uma dor que bate forte
Já não ligo nem pra morte
Nessa "vidinha" agoniada
Tão longe da desejada
A mulher que sempre amei
E o que sinto agora eu sei
Saudade de minha amada.

A saudade é ferro quente
É pancada de chinela
É bonança e é procela
Vira a cabeça da gente
Não tem essa de valente
Robustez incontestada
Quando por ela é atacada
O vivente se desmonta
A cabeça fica tonta
Saudade de minha amada.

E quando se pega o mal
Que já nasce dentro da alma
É preciso muita calma
Paciência descomunal
Pois fere como punhal
Toda essa falta danada
Sendo o fim da picada
Prum caboclo sonhador
E assim toco o meu clamor
Saudade de minha amada.

Amar é algo contrastado
Floresta vira deserto
O errado pode está certo
O certo pode está errado
Faminto fica saciado
A barriga cheia esfomeada
Liberdade aprisionada
Prisão sem nenhuma grade
Eu oro na mudez do frade
Saudade de minha amada.

Sei que o homem também chora
Quando perde um grande amor
E em mim já nasceu essa dor
Sinto de dentro pra fora
Rasgando-me como espora
Toda a carne castigada
E não tem dor comparada
Ao que sinto aqui no peito
E chorar é o meu direito
Saudade de minha amada.

Somos iguais nessa sina
Não temos como escapar
O efeito do verbo amar
Sempre é o que nos amotina
Nossa alma fica traquina
A vida melhor e ousada
Tem a sua carga pesada
Mas tudo isso vale a pena
Onde está minha pequena
Saudade de minha amada.

Vosmecê acha inté loucura
Esse meu desejo tolo
Mas a mulher é um consolo
Pra quem vive na amargura
Solidão é uma sepultura
Escura, funda e fechada
Que deixa alma atormentada
Suplicando uma atenção
Digo com toda paixão
Saudade de minha amada.

Lembro-me daquele dia
Em que a vi a primeira vez
Tava domando uma rês
De seu pai, Seu Zé Maria
E quando eu vi aquela "cria"
Naquela cerca escorada
Perdi o rumo da jornada
Não morri por uma sorte
E hoje canto até a morte:
Saudade de minha amada.

Moça branca como a lua
Cabelo cor de carvão
O corpo que nem violão
Um olhar que insinua
A qualquer homem da rua
Do sertão e de outra parada
A olhar mulher tão encantada
Mulher linda de se ver
Diga se não dar pra ter
Saudade de minha amada.

Sua voz serena a ressoar
É brisa de litoral
Assanhando o coqueiral
E crespando todo o mar
Na sua boca um paladar
Da fruta mais desejada
A minha alma enfeitiçada
Que parecia até com fome
Vivia dizendo o seu nome
Saudade de minha amada.

Mas antes dessa menina
Meu coração era calado
E batia meio retardado
Não tinha essa adrenalina
Agora tá como usina
Pulsa que nem batucada
O amor em mim fez morada
E daqui nunca mais saiu
Eita que paixão febril!
Saudade de minha amada.

Tudo foi como um trovão
Fazendo muito barulho
Minha vida era um bagulho
Tornou-se outra coisa então
Algo sem explicação
Toda uma vida mudada
Duma forma acelerada
Que ninguém podia explicar
Como é grande o meu penar
Saudade de minha amada.

Mas já era tarde demais
Pra mudar o sentimento
Tirar do meu pensamento
Aquela moça sagaz
E eu gostava ainda mais
Desta moça tão arretada
E que passava enfeitada
Nem olhava pro vaqueiro
Canta meu lembrar brejeiro:
Saudade de minha amada.

Recordo-me bem de um dia
Em que em nós nasceu a paixão
Olhares em colisão
Bem no meio da vacaria
Eu e ela em pura sintonia
Parecia um conto de fada
Que em poesia agora é cantada
Por este poeta vulgar
Que vive sempre a gritar:
Saudade de minha amada.

Vivemos o nosso amor
Por dentro de matagais
Sem saber os nossos pais
Não quisemos nada expor
Era eu ente de Lavrador
Ela de família abastada
Nossa paixão era vetada
E pras famílias proibido
Recito mesmo ferido
Saudade de minha amada.

Mas o capeta um dia apronta
Não tardava a nossa vez
E mal completara um mês
Não chegou a fechar a conta
Nosso destino então afronta
Nos leva pruma emboscada
Seu Zé Maria e a tropa armada
Nos preparou uma tocaia
Falo e ninguém empaia
Saudade de minha amada.

O amor não sabe contar
Tanto faz um mês ou cem
A razão não explica bem
Como é que isso então se dar
E quem sou eu pra discordar
Do que não se sabe nada
Mesmo achando adiantada
Nossa relação escondida
A paixão era garantida
Saudade de minha amada.

Nós escapemos daquilo
Tivemos foi muita sorte
E quase vimos a morte
Ressoando o seu sibilo
Ninguém mais tava tranquilo
A coisa ficou pesada
A nossa paixão ameaçada
Nos deixava em aflição
E versou o meu coração:
Saudade de minha amada.

Cada dia ficava pior
Até que um dia aconteceu
Meu coração ali morreu
Pois não havia dor maior
Do que o fardo de estar só
Na solidão dessa estrada
É melhor uma facada
No ventre e no coração
Que viver essa emoção
Saudade de minha amada.

E naquele dia mesquinho
O seu pai; velho selvagem
Mandou a moça fazer viagem
Desfazendo o nosso ninho
Hoje vivo aqui sozinho
Co'a minha viola surrada
Canto a tristeza velada
Numa tão linda canção
Que tem o triste refrão
Saudade de minha amada.

Hoje não tenho notícia
Desse amor de juventude
Nunca mais tive quietude
Nem amor, paixão e carícia
Fiquei como uma milícia
Sempre esperando a chegada
De uma mulher distanciada
Há tempos de minha vida
Ainda choro a partida
Saudade de minha amada.

Logo hoje no alegrete
Em que me pus a lembrar
Um amigo a me chamar
Trazia-me um certo bilhete
Quase cai do tamborete
Vendo a escrita desenhada
Era o nome da danada
De quem amei de verdade
Pense na felicidade!
Saudade de minha amada.

Eu desfiz minha tristeza
Enxugando aquele pranto
Coração pulsava tanto
Que até tive uma moleza
E agora tinha certeza
Minha dor ia ser curada
Pois tendo a vida agraciada
Co'o regresso do meu amor
Eu já não dizia com dor:
Saudade de minha amada.

Abri aquilo lentamente
Co'o meu coração aperriado
Fui lendo aquele recado
Muito vagarosamente
Mantinha-me reticente
Numa leitura calada
Da cartinha perfumada
Que estava na minha mão
Eu controlei a fixação
Saudade de minha amada.

Dizia assim o tal bilhete:
"Ó meu amor, quero você
É difícil te esquecer
Pois teu amor é o meu banquete
E tua ausência é um estilete
Que me deixa mui cortada
Quero por ti ser beijada"
E aquilo tudo num triz
Fez-me gritar tão feliz:
Saudade de minha amada.

Agora eu ia rever meu amor
E curar minha ferida
Aquela emoção perdida
Voltou até com mais sabor
Deus fez-me um grande favor
Minha dor fora extirpada
Uma dádiva alcançada
Apagando o meu passado
Já digo mais aliviado:
Saudade de minha amada.

Não há mal que não tem cura
E não há ida sem a volta
Todo homem não se solta
Das garras de sua cultura
Não há coração que atura
Uma lembrança gravada
Que até hoje é recordada
Ferindo-me com maldade
Vou matar essa ansiedade
Saudade de minha amada.

Agora eu sai do calvário
Revigorei minha vida
Posso sarar a ferida
Não me sinto tão ordinário
Vivo um novo itinerário
Que mudará essa jornada
A vontade tão sonhada
De rever o meu passado
Fez-me cantar invocado:
Saudade de minha amada.

O lírio abriu mais bonito
E o girassol muito mais
Vi todos esses florais
Naquele dia tão bendito
Tudo isso já tava escrito
Antes dela ser contada
Dessa maneira rimada
Por este poeta sem tino
E será obra do destino?
Saudade de minha amada.

É imensa a minha alegria
Que alívio pro meu penar
O Senhor veio me abençoar
Matando a melancolia
E o que minha alma sofria
Há muito tempo enjaulada
Mas hoje então libertada
Quer de novo reviver
Para nunca mais dizer:
Saudade de minha amada.

Chega ao fim o sofrimento
Desse pobre sertanejo
Realizando o meu desejo
Que cantarolei ao vento
A alegria nesse momento
Explodindo iluminada
Tornou toda a caminhada
Muito mais leve e feliz
Dentro de mim já não diz:
Saudade de minha amada.

Aracati, 13 de março de 2006, às 10:12 de uma manhã chuvosa.

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