segunda-feira, 19 de abril de 2010

UM ABOIO

BARRABÁS - O MESSIAS DE SANGUE - PARÁGRAFO 3

Enfim Barrabás, porém só tornei-me o que sou hoje quando conheci o grande mentor da minha vida: Judas, o galileu. Todos pelos arredores daquela cidade o conheciam, o respeitavam e não nego que cultivei sempre uma admiração por sua figura emblemática. Aquela situação humilhante em que vivíamos fertilizava o momento presente para eclosão de mártires que se sacrificariam pela libertação de nosso povo. Queria Judas ou não, todos o tinham como um mártir. A sua liderança ligada aos zelotes, sobretudo entre os sicários era uma clara convicção de sua sina heróica entre os hebreus, representando a esperança em carne e osso naquela terra lastimada pelo rigor plutocrata dos romanos. As pessoas agarravam-se a religião para atenuar o sofrimento que parecia perpétuo. Nunca fui de rezar, apesar de judeu. Aliás, quando tive o primeiro contato com Judas fora numa cerimônia da sinagoga. Eu o procurei, já me sentia pronto para guerra. Na saída do templo o abordei tocando-lhe o ombro direito com um toque firme, seus seguidores me agarram de imediato e ele virando-se para mim pediu que seus parceiros me soltassem. “O que queres?” “Ser um sicário!” os risos estrondaram ao redor de Judas que permanecia sério. “É bom ver nos olhos desse jovem a coragem que falta a muitos galileus. Porque riem? Não encontro a jocosidade”. Cessaram os risos quase que simultaneamente. “Qual o seu nome, menino franzino?” “Jesus” “Jesus?! Só?” “Jesus Barrabás” “Bar-ra-bás, gostei de sua firmeza” “Obrigado, senhor” “Amanhã estarei na casa de Simão Jessé pareça lá, lhe farei um sicário”. Deu-me as costas e seguiu com um comboio para rio Jordão angariar provisões de boca para o seu acampamento. Aquele encontro não me marcou somente psicologicamente, propiciou-me a maior ruptura que um homem pode ter na vida: o corte umbilical da família. Meu pai já havia sido alertado de me encontro com Judas e quando cheguei a casa aconteceu o primeiro golpe afetivo da minha vida. O silêncio estava impregnado nas paredes quando adentrei a casa, vi minhas roupas amontoadas numa trouxa meu pai e minha mãe esperando-me na sala. Minha mãe comungando do meu estado das paredes mantinha-se calada, apenas seus olhos rompiam o silêncio com um choro que berrava por dentro de si. Meu pai então prosternou: “O que pensas da vida? Diz na nossa tradição que o pai é quem comanda a casa, seus filhos e sua esposa seguem na sua sombra”. “Pai” “Cale a boca, está vendo! Você não repousa sobre a minha sombra. Maldita hora que viste aquela morte, eu perdi meu filho”. “Não, pai” “Hoje soube que você tivera que um encontro com Judas, aquele assassino. Isso foi à gota d’água! Não quero um bandido na minha casa”. “Eles não são bandidos!” “Já disse cale-se, estão aí suas coisas, já que tem maturidade demais para escolher suas convicções, as tenha também para viver sozinho. Saia daqui!” As lágrimas caíram lentamente. Engoli o choro, olhei pela última vez nos olhos de meu pai que se esquivou, joguei meus olhos em minha mãe e o seu choro aumento ainda mais. Sai dali e depois de alguns passos me virei para vislumbrar a casa de minha nascença, mamãe estava na porta. Meu coração ficou ainda mais contrito, mas não se podia mais voltar atrás. Tomei para mim uma profecia que nem um profeta pregou, mas que estavam escritas nas tábuas do meu hipotálamo. A noite foi fria e adormeci debaixo de uma oliveira, ainda bem que não choveu. Banhei-me no rio Jordão e fui a casa de Simão Jessé. De longe várias vozes eram ouvidas, na porta da casa perguntei: “Judas, está?” “Quem és tu?” perguntou-me um estranho. “Barrabás, ele sabe quem é”. O estranho cochichou no ouvido de outro que adentrou a casa e em pouco tempo retornou ordenando-me que entrasse. Judas sobre um estofado ergueu-se e abrindo os seus braços pediu-me que lhe abraçasse, deixando escapar uma palavra que nunca me esqueci: “meu filho”. Depois do amplexo, olhei nos seus olhos e inquiri: “que eu preciso fazer para ser um sicário?” “Geralmente, fazemos um ritual de iniciação que chamamos de auto-banimento uma ação simbólica em que há um juramento de lealdade a nossa terra e o banimento familiar. Mas você fez o ritual antes entrar, demonstrou a verdadeira atitude de um sicário. Agora me dei um instante”. Judas dirigi-se a um cômodo e logo depois retornou com suas coisas, uma em cada mão: “primeira, tome essa sica nosso símbolo. Espero que saiba usá-la e outra coisa é o Torá, saiba que um homem sem crença seja qual ela for é um homem condenado a morte.” Encontrei-me com o grande amor da minha vida, naquele dia dormi com a sica como se fosse minha amásia.

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