O GRANDE PADRE DUCÉU – O ETERNO VIGÁRIO DE JAGUARUANA
O sino da Igreja-matriz dobrava-se pelas mãos do Zé Curica, prenunciando a celebração eucarística do domingo. Mamãe já trovejava pelos cantos da casa:
- Roupa de domingo! Viu?
- Mas depois podemos ir à praça?
- Depois da missa do Padre Ducéu, sim.
A melhor roupa, aquela pouco usada, cheirando (se é que cheira!) a naftalina só era usada no domingo. Ainda morávamos por detrás da Igreja, numa casa de taipa, mais ou menos onde hoje tem uma clínica de análise. Lembro-me pouco, mas o pouco que lembro é que os discursos do Padre Ducéu tinham uma relação muito intima com a educação. Não durou pouco para que eu me certificasse que a educação na vida do padre era a sua maior tônica. Eu ficava irrequieto com aquela paixão imensurável pela educação, mais tarde percebi que essa paixão só contamina as pessoas de alma boa. E isso ninguém podia duvidar, Padre Ducéu tinha uma alma boa.
Contudo, resumi-lo a um paladino da educação é um sacrilégio imperdoável. Posso afirmar categoricamente que o teatro entrou em minha vida, pela contribuição indireta dele. Afinal, ensaiávamos no salão paroquial e gozávamos de uma liberdade naquele espaço como um catequista e/ou dirigente pastoral. Nossas peças na sua maioria eram profanas, nunca o Padre Ducéu nos cerceou de usar o espaço. Na verdade algumas pessoas envolvidas na Igreja criticavam o seu “desleixo”. Mas ele sabia o que fazia e como sabia. Até por isso e através disso, acabei por me embrenhar nos movimentos pastorais e missionários. Um momento da minha vida inesquecível e enriquecedor que até hoje me molda como ser humano. Fiz amigos para o resto da vida e aprendi coisas que nem a escola, a vida, a família e academia me ensinariam.
Aliás, outra qualidade de nosso eterno vigário que também era subentendida como “desleixo” ou “ingerência” era o jeito fácil que entravamos e saiamos da casa paroquial. Devorávamos as frutas de seu quintal, sobretudo as azeitonas. Apreciávamos as artes sacras espalhadas pela casa, os livros sagrados e proibidos e sua contagiante acolhida. Tomávamos café com o próprio; quantos tiveram essa honra? Transitávamos em seu carro - ainda que não fosse tão seguro (risos). Falou em nós porque sei que muitos compartilharam esses momentos.
Ainda menino, quem não lembra, corria em direção do Padre Ducéu:
- Padre me dar uma prata! – Aí de súbito o santo homem levantava-me pelas magras bochechas com o seu sorriso inesquecível.
Mas Padre Ducéu além de educador, incentivador cultural, brincalhão, era uma pessoa de uma inteligência desmedida. A suas palestras – por vezes brinco – iam do penico a bomba atômica. Nada fugia de suas retinas! E tão inteligente que suas visões sobre alguns dogmas católicos não eram tão homogêneas com as diretrizes canônicas do Vaticano. Cheguei a discutir algumas delas com ele e ele como sempre me surpreendia com suas convicções próprias e piadas feitas na hora. Que, aliás, outra qualidade dele era o seu inconfundível bom humor. Aquele bom humor sadio, cheio de picardias que alegravam o espírito de todos.
O seu lado político também era nítido, a sua vontade de ajudar os filhos de sua terra, propiciou diversos benefícios.
E se eu continuasse a ressaltar todas as qualidades do Monsenhor (título pouco dito a ele) Ducéu e o seu trabalho em prol de nossa comunidade, certamente, preenche-se-riam livros e livros.
Recuso-me com veemência tratar de sua ausência. Escondo-me dela, como quem foge de um fantasma, tentando afugentá-la com reminiscências que ainda estão frescas na memória. Mesmo sabendo que meus olhos o virão num ataúde. Não posso apagar a chama de sua vivacidade. Recuso-me, recuso-me, recuso-me. Conclamando os conterrâneos a manter vivo dentro de cada um: a essência sobrecelestial do nosso estimado Padre Ducéu.
2 comentários:
Um texto que expõe sua pessoa de um modo que ainda me era desconhecido...
Pe. Ducéu irá fazer falta a esta cidade "jaguaruanense"
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