quinta-feira, 13 de maio de 2010

UM ABOIO FUNUBRE

O GRANDE PADRE DUCÉU – O ETERNO VIGÁRIO DE JAGUARUANA

O sino da Igreja-matriz dobrava-se pelas mãos do Zé Curica, prenunciando a celebração eucarística do domingo. Mamãe já trovejava pelos cantos da casa:
- Roupa de domingo! Viu?
- Mas depois podemos ir à praça?
- Depois da missa do Padre Ducéu, sim.
A melhor roupa, aquela pouco usada, cheirando (se é que cheira!) a naftalina só era usada no domingo. Ainda morávamos por detrás da Igreja, numa casa de taipa, mais ou menos onde hoje tem uma clínica de análise. Lembro-me pouco, mas o pouco que lembro é que os discursos do Padre Ducéu tinham uma relação muito intima com a educação. Não durou pouco para que eu me certificasse que a educação na vida do padre era a sua maior tônica. Eu ficava irrequieto com aquela paixão imensurável pela educação, mais tarde percebi que essa paixão só contamina as pessoas de alma boa. E isso ninguém podia duvidar, Padre Ducéu tinha uma alma boa.
Contudo, resumi-lo a um paladino da educação é um sacrilégio imperdoável. Posso afirmar categoricamente que o teatro entrou em minha vida, pela contribuição indireta dele. Afinal, ensaiávamos no salão paroquial e gozávamos de uma liberdade naquele espaço como um catequista e/ou dirigente pastoral. Nossas peças na sua maioria eram profanas, nunca o Padre Ducéu nos cerceou de usar o espaço. Na verdade algumas pessoas envolvidas na Igreja criticavam o seu “desleixo”. Mas ele sabia o que fazia e como sabia. Até por isso e através disso, acabei por me embrenhar nos movimentos pastorais e missionários. Um momento da minha vida inesquecível e enriquecedor que até hoje me molda como ser humano. Fiz amigos para o resto da vida e aprendi coisas que nem a escola, a vida, a família e academia me ensinariam.
Aliás, outra qualidade de nosso eterno vigário que também era subentendida como “desleixo” ou “ingerência” era o jeito fácil que entravamos e saiamos da casa paroquial. Devorávamos as frutas de seu quintal, sobretudo as azeitonas. Apreciávamos as artes sacras espalhadas pela casa, os livros sagrados e proibidos e sua contagiante acolhida. Tomávamos café com o próprio; quantos tiveram essa honra? Transitávamos em seu carro - ainda que não fosse tão seguro (risos). Falou em nós porque sei que muitos compartilharam esses momentos.
Ainda menino, quem não lembra, corria em direção do Padre Ducéu:
- Padre me dar uma prata! – Aí de súbito o santo homem levantava-me pelas magras bochechas com o seu sorriso inesquecível.
Mas Padre Ducéu além de educador, incentivador cultural, brincalhão, era uma pessoa de uma inteligência desmedida. A suas palestras – por vezes brinco – iam do penico a bomba atômica. Nada fugia de suas retinas! E tão inteligente que suas visões sobre alguns dogmas católicos não eram tão homogêneas com as diretrizes canônicas do Vaticano. Cheguei a discutir algumas delas com ele e ele como sempre me surpreendia com suas convicções próprias e piadas feitas na hora. Que, aliás, outra qualidade dele era o seu inconfundível bom humor. Aquele bom humor sadio, cheio de picardias que alegravam o espírito de todos.
O seu lado político também era nítido, a sua vontade de ajudar os filhos de sua terra, propiciou diversos benefícios.
E se eu continuasse a ressaltar todas as qualidades do Monsenhor (título pouco dito a ele) Ducéu e o seu trabalho em prol de nossa comunidade, certamente, preenche-se-riam livros e livros.
Recuso-me com veemência tratar de sua ausência. Escondo-me dela, como quem foge de um fantasma, tentando afugentá-la com reminiscências que ainda estão frescas na memória. Mesmo sabendo que meus olhos o virão num ataúde. Não posso apagar a chama de sua vivacidade. Recuso-me, recuso-me, recuso-me. Conclamando os conterrâneos a manter vivo dentro de cada um: a essência sobrecelestial do nosso estimado Padre Ducéu.

2 comentários:

Mirella Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mirella Costa disse...

Um texto que expõe sua pessoa de um modo que ainda me era desconhecido...

Pe. Ducéu irá fazer falta a esta cidade "jaguaruanense"