segunda-feira, 31 de maio de 2010

UM ABOIO LITERÁRIO

BARRABÁS, O MESSIAS DE SANGUE! - PRIMEIRA PARTE

Não tenho medo da escuridão, dentro de mim arde à chama impetuosa da paixão por esta terra. Há mal nisso? Se houve... quero eu mesmo mergulhar no oceano magmático do inferno, pouco me importa as tábuas de barro, os profetas que vieram antes e virão depois de mim. Assim sou. Não quisera eu me tornar mais um hebreu qualquer escravizado pelo Império Romano. A passividade a meu ver traduz o sentimento medíocre de que não tem nem perspectiva de vida. A vida na sua dinâmica obscura suplica a nós o arrojo latente que corre nas artérias, manifestado quando se liberta o espírito e se quebra os grilhões do medo ilusório. Não é à toa que me chamo Barrabás tenho o odor e a cor desta Galiléia banhada de sangue. Esta terra é uma extensão do meu corpo, amo-a como genitora ao filho. Andei descalços por suas vielas e veredas, respirei toda a poeira ruiva inflando os pulmões com sua essência mais acentuada. A pobreza não me tirou a fortuna que emana das coisas simples de minha gente: o olhar castigado pelo tempo, o andejo firme e letárgico, a força que emerge da neurastenia aparente e a nossa incansável vontade de ser feliz. Somos um povo feliz com vocação para o infausto, nossa história casou-se com a dor e nunca mais desgrudou.
Nem sempre fui Barrabás, escondia-me no medo que fora repassado a boca miúda por minha gente, contudo mesmo medroso havia algo dentro de mim que me provocava mal-estar. Eu tinha o contentamento tolo ante o domínio sanguinário dos etruscos. O ódio só veio explodir dentro de mim no silêncio párvulo que o medo me proporcionava, diante de um assassinato que presenciei na adolescência: ”Era um homem pobre, nunca soube de seu nome, que tinha apenas uma ovelha. A qual seria abatida para o sustento de sua família, naquele dia um cobrador de impostos juntamente com dois centuriões confiscou-lhe a criação sob o pretexto de tributos sonegados a César. Os gritos exacerbados do homem chamaram a atenção de todos que formaram um imenso círculo ao redor do evento. Ali estava eu com meu pai, particularmente foi uma cena forte. O pobre pastor revidou segurando a ovelha com veemência como se fosse uma prole, no mesmo instante os centuriões intervieram imobilizando-o, logo depois um dos centuriões puxou uma sica e cravando-a no jugular do pobre homem que deu por fim toda aquela discussão. A trupe criminosa retirou-se levando a mísera ovelha”. Naquele dia o ódio beijou-me a boca e conheci o grande amor da minha vida: a sica! A morte daquele homem verteu-se em uma alucinação que até hoje me persegue. Antes que eu continue devo salientar que não sou um sujeito transtornado e minhas faculdades mentais não são indomáveis. Aquela cena sangrenta foi meu ritual de passagem, a partir dali percebi que deveria ter discernimento de adulto... que precisavam de mim. Quem? Não sei. O que sei era que eu precisava de uma sica, com ela teria um poder extra-humano que ninguém podia me dar. No mesmo dia ao chegar a casa, peguei um naco de madeira e esculpi uma sica igualzinha ao do centurião. Aquele artefato concebido pelas minhas mãos tornou-se meu único passatempo. As tardes, eu ia para um terreno baldio manipulá-la incansavelmente, criando acrobacias e golpes friamente calculados. Passei dois anos de minha vida exercitando-me como se preparasse para uma guerra que ao primeiro momento só existia na minha cabeça.

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